A
relação entre saúde e direitos humanos, o acesso da população ao serviço
público eficiente e a necessidade de responsabilização dos gestores pelo
desrespeito à obrigação de ofertar atendimento de qualidade aos cidadãos foram
aspectos discutidos em audiência pública, proposta pelo deputado Fernando
Mineiro (PT), realizada nesta terça, 9, no plenarinho da Assembleia
Legislativa.
A
advogada da União e da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Aline
Albuquerque, disse que a iniciativa da audiência pública era “precursora”,
porque “a junção entre saúde e direitos humanos é novidade no Brasil”.
Ela
afirmou que as políticas e programas de saúde têm impacto direto nos direitos
humanos, dando como exemplo práticas como “atendimentos em locais inadequados e
exposição de pacientes a procedimentos íntimos sem a devida privacidade”.
De
acordo com a advogada, “o direito humano à saúde é previsto em vários tratados
internacionais”. “Isso significa que uma violação a esse direito não é apenas
um desrespeito a um direito nacional, mas sim internacional”, ponderou.
Aline
Albuquerque resumiu o direito à saúde como “o direito a bens, serviços e
programas”, enfatizando que “o estado tem que prover serviços públicos de
qualidade à população”.
“Além
de prover”, completou, “é preciso que as pessoas tenham acesso a esses
serviços, como bons hospitais”. A advogada asseverou que “medidas como a
privatização podem impedir o acesso das pessoas à saúde, o que é proibido
internacionalmente”.
Responsabilização
Para
a advogada, os direitos humanos à saúde também passam pela valorização dos
servidores da área, através da oferta de condições dignas de trabalho e
remuneração adequada. Ela defendeu, ainda, “a responsabilização do estado e dos
gestores pelo desrespeito ao direito humano à saúde”.
O
presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte (Sinmed-RN), Geraldo
Ferreira, afirmou que a população potiguar está "abandonada" em
matéria de atendimento à saúde pública. Ele também defendeu a responsabilização
dos gestores pela situação.
"Assusta
a violência como os direitos humanos têm sido violados no RN. Isso não tem tido
a capacidade de sensibilizar a gestão [estadual]. As pessoas estão em situação
de penúria e calamidade. As pessoas querem ter sua dignidade preservada. Esse
atendimento que é dado à saúde não se sustenta", declarou.
Em
tom incisivo, Geraldo Ferreira afirmou que “ao governo estadual deve ser
imputado o crime pelo caos em que se encontra a saúde no Rio Grande do Norte”.
O
presidente do Sinmed-RN disse que a entidade denunciou a situação do estado, em
particular do Hospital Walfredo Gurgel, à Corte Interamericana de Direitos
Humanos, com sede em Porto Rico.
“Está
na hora de termos alguma lei que diga que incompetentes não podem gerir o estado”,
declarou.
O
secretário de Saúde de Natal, Cipriano Maia, observou que o Sistema Único de
Saúde (SUS) surgiu para “garantir o direito e a cidadania de forma ampliada e,
essencialmente, o direito á vida”. “A saúde coletiva no Brasil foi decisiva na
construção dessa perspectiva de ver a saúde como um direito essencial”,
comentou.
Para
o secretário, porém, “há uma distância brutal entre o ideal e o real”. “A
cidadania no Brasil vem sendo construída a duras penas. Ela não se constrói por
decreto. A desigualdade que vigora na sociedade em geral se reflete também na
saúde, principalmente na dificuldade ao acesso à saúde”.
Cipriano
emendou dizendo que “sem governos e profissionais comprometidos com a garantia
do direito à saúde não teremos mudanças [na atual situação]”.
Já o
presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), Giancarlo Fernandes,
registrou que "não precisamos de [mais] leis de proteção à saúde, mas sim
de efetividade [das leis atuais]".
Desabafo
A
obstetra Conceição Pinheiro deu um depoimento emocionado sobre a situação do
Hospital Santa Catarina, na zona Norte de Natal, que vive mais uma crise de
superlotação, ausência de equipamentos e falta de médicos para atender a
população.
"Tenho
25 anos de [trabalho no] Hospital Santa Catarina. Essa situação vem de todos os
governos desde 1996. Não vou ver as mães desse estado parir com
dignidade", desabafou.
A
médica entregou ao deputado Fernando Mineiro uma série de fotografias, feitas
em 1996, mostrando a situação caótica, desde aquela época, daquele hospital
tido como de referência para grávidas de alto risco no Rio Grande do
Norte.
O
presidente do Sindicato dos Odontologistas do RN, Ivan Tavares, abordou a
questão da valorização dos profissionais da saúde, em seus mais diversos
níveis. Ele denunciou que esses servidores se encontram “muito esquecidos” na
atualidade.
“Os
trabalhadores da saúde estão incluídos no contexto que envolve toda a
população. Com o processo neoliberal que se instalou no Brasil na década de
1990, termos como precarização do emprego, dupla jornada de trabalho e
produtividade passaram a fazer parte do vocabulário [dos servidores]. Os
profissionais tiveram que abrir mão do lazer, do descanso, da boa alimentação e
das férias legais”, refletiu.
Marcos
Dionísio criticou a falta de planejamento da atual gestão, acusou o governo de
praticar “desfaçatez” e disse que “o descompasso e a desgovernança” em que o
estamos mergulhados são muito maiores que aquilo que imaginamos.
Encaminhamento
Mineiro
ponderou que, além de todos os aspectos levantados durante a audiência pública,
é preciso atentar para a saúde dos servidores da área, responsáveis pelo
atendimento direto à população. “Os trabalhadores da saúde estão adoecendo. É
preciso fazer algo sobre essa situação”, reiterou.
O
deputado disse que, com nas discussões e relatos feitos pelos representantes da
área, irá encaminhar relatório sobre a situação da saúde à direção da
Assembleia Legislativa, para que sejam cobradas soluções efetivas ao Governo do
Estado.
O
secretário de Saúde do RN, Luiz Roberto Fonseca, apesar de ter sido convidado,
não compareceu à audiência pública. Ele enviou como representante Maria
Aparecida de Souza, que se limitou a dizer que o gestor tinha “ciência da
situação” e afirmou que “responder pela saúde do estado no momento em que
estamos em plena situação de calamidade é muito complicado”.
A
audiência pública contou, ainda, com a participação do representante da
Comissão de Direito à Saúde da OAB-RN, Alejandro Rendon; da presidente do
Conselho Municipal de Saúde, Rita de Cássia Dantas; da dirigente do
Sindsaúde-RN, Simome Dutra; além de dirigentes de diversas outras entidades da
área da saúde.
Fotos: Vlademir
Alexandre.
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