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Ex-Presidente Lula em entrevista ao Correio Braziliense |
Por
Tereza Cruvinel e Leonardo Cavalcanti, do Correio Braziliense
São Paulo - A casa discreta no tradicional bairro do
Ipiranga em nada lembra os palácios de Brasília mas seu principal inquilino ali
trabalha cerca de 10 horas por dia, com a mesma disposição que, nos oito anos
em que governou o Brasil, extenuava auxiliares - hoje reduzidos a uma pequena
equipe.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levanta-se em São Bernardo do Campo
às seis horas da manhã, faz duas horas de exercícios físicos, toma café e chega
ao instituto que leva seu nome por volta das 9h, raramente saindo antes das
20h. Ali recebe políticos, empresários, sindicalistas, intelectuais, agentes
sociais e personalidades em busca de seu apoio a uma causa ou projeto. Quase
três anos após deixar a Presidência e depois da vitória contra o câncer, Lula
declara-se completamente "desencarnado" do cargo e com a saúde
restaurada, o que a voz, agora limpa das sequelas do tratamento, confirma.
Por telefone, ele é alcançado também por interlocutores de diferentes países,
por convites para viagens e palestras no Brasil e no exterior. No ano que vem,
o ritmo vai cair, pois ele vai ajudar, "como puder", na campanha da
sucessora Dilma pela reeleição. "Se ela não puder ir para o comício num
determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o
Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste", disse o
ex-presidente.
Nas instalações simples da casa no Ipiranga, o que denuncia o inquilino são as
fotografias nas paredes, de momentos especiais da Presidência, selecionadas
pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que continua a seu lado, assim como os
assessores Clara Ant, Luiz Dulci e Paulo Okamoto. Na sala de trabalho, em vez
das cigarrilhas, chicletes sabor canela. Foi lá que, na quinta, 26, Lula
recebeu o Correio para uma entrevista de duas horas em que não parou de falar.
Da vida no poder e fora dele, da disputa eleitoral do ano que vem, passando por
espionagem, Mais Médicos, mensalão e novos partidos.
Lula também falou, pela primeira vez, sobre a Operação Porto Seguro, a
investigação da Polícia Federal, que revelou um esquema de favorecimentos em
altos cargos do governo federal e provocou a demissão de Rosemary Noronha, a
ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo. E disse ter
saudades de Brasília: "O nascer e o pôr do sol no Alvorada são
inesquecíveis".
Considerado um eleitor de 58 milhões de votos por conta do total de apoios
conquistados na última eleição que disputou, em 2006, Lula confessou, sem
dissimulação, que deixar o poder foi "como se me tivessem desligado da
tomada". E que não foi fácil aprender a ser ex-presidente. Para evitar a
tentação de dar palpites sobre o novo governo, disse que decidiu visitar 32
países nos primeiros 10 primeiros meses de 2011, até que o câncer foi
descoberto, no dia de seu aniversário, 27 de outubro.
Vencido o calvário do tratamento, ele voltou à rotina no Instituto, vacinou-se
contra o "Volta Lula", antecipando o lançamento da candidatura Dilma,
e agora se prepara para mais uma campanha eleitoral. Ele acha que a presidente
será reeleita, lamenta o desenlace da aliança com Eduardo Campos, embora
reconheça as qualidades do governador para a disputa, evita especular sobre o
destino dos votos de Marina Silva, caso ela saia da corrida, e parece revelar
preferência por José Serra como adversário tucano, ao dizer que o PSDB terá
mais trabalho para tornar Aécio Neves conhecido. Uma contradição com o que ele
mesmo fez, ao lançar uma também desconhecida Dilma como candidata em 2010. Uma coisa
é certa. "Desencarnado" e em plena forma, Lula será um "grande
eleitor" em 2014.
Deixar de ser presidente trouxe alívio ou pesar?
Não é fácil falar sobre isso. Eu achava que seria simples deixar a Presidência.
O (João) Figueiredo, que saiu pela porta dos fundos, até pediu para ser
esquecido. Quando a pessoa não sai bem, quer esquecer mesmo. Mas eu saí no
momento mais auspicioso da vida de um governante. Eu brincava com o Franklin
(Martins): se eu ficar mais alguns meses, vou ultrapassar os 100% de aprovação.
Foi como se me desligassem de uma tomada. Num dia você é rei, no outro dia não
é nada. Depois de entregar o cargo, cheguei a São Bernardo e havia um comício,
organizado por amigos e pessoas do sindicato. O Sarney me acompanhou. Antes,
visitei o Zé Alencar, choramos juntos. Eu fiquei danado da vida porque achava
que ele devia ter ido à posse e subido a rampa de maca, mas os médicos não
deixaram. Participei do comício e quando deu 11 horas da noite eu subi para o
apartamento. Ao me despedir dos que trabalharam comigo na segurança e voltariam
a Brasília, o general me disse: "Olha presidente, daqui a três dias os
celulares da Presidência serão desligados e os carros serão recolhidos".
Mas levaram apenas três minutos para me desconectarem. Este é o lado hilário da
coisa. Mas ser ex-presidente é um aprendizado sobre como se comportar, evitando
interferir no novo governo. Quem sai precisa limpar a cabeça, assimilar que não
é mais presidente. Mas é difícil sair de um dia a dia alucinante, acordar de
manhã e perguntar: e agora?
Mas como conseguiu resolver o "desligamento"?
Entre março de 2011 e a descoberta do meu câncer, em outubro, eu fiz 36 viagens
internacionais, visitei dezenas de países africanos e latino-americanos. Eu
queria ficar fora do Brasil para vencer a tentação de ficar dando palpites.
Decidi voltar para o Instituto, que eu já tinha, e comecei a trabalhar aqui. No
dia do meu aniversario fui levar a Marisa para fazer um exame mas acabaram
descobrindo o câncer em mim. E aí foi um ano de tortura. Nunca pensei que fosse
tão difícil fazer quimioterapia e radioterapia. A doença, a internação, o fato
de não poder falar ajudaram no desligamento. Fui desencarnando e hoje isso está
bem resolvido na minha cabeça. Este ano, no evento dos 10 anos de governos do
PT, quando eu disse que a Dilma era minha candidata, eu queria tirar de vez da
minha cabeça a história de voltar a ser candidato. Antes que os outros
insistissem, antes que o PT viesse com gracinhas, antes que os adversários da
Dilma viessem para o meu lado, eu resolvi dar um basta e fim de papo.
Mesmo com eventuais "Volta Lula", com manifestações, crises?
Mesmo. Hoje há pessoas defendendo o fim da reeleição. Eu sempre fui contra a
reeleição mas hoje posso dizer que ela é um beneficio, uma das poucas coisas
boas que copiamos dos americanos. Em quatro anos, você não consegue realizar
uma única obra estruturante no pais. Depois, o eleitor pode julgar o governante
no meio do período. Bush pai não se reelegeu, Carter não se reelegeu. Mas foi
bom para os Estados Unidos o Clinton ter governado oito anos.
O senhor não ficou tentado a buscar o terceiro mandato, quando o deputado
Devanir apresentou aquela emenda?
Eu fui contra. Chamei o partido e disse: não quero brincar com a democracia. Se
eu conseguir o terceiro, amanhã virá alguém querendo o quarto, o quinto. Sou
amplamente favorável à alternância no poder, de pessoas e de segmentos sociais.
Comigo, pela primeira vez um operário chegou à presidência. Com a Dilma, a
primeira mulher. Quer mais mudança do que isso? Quero que o povo continue
mudando. Para errar ou acertar, não importa.
Deixar o poder traz mais liberdade?
Eu nunca tive liberdade, nem antes nem depois. Fiquei oito anos em Brasília sem
ir a um restaurante, a um aniversario, a um casamento, porque tinha medo
daquele mundo futriqueiro de Brasília. Mesmo hoje, prefiro passar o final de
semana em casa, de bermudas.
Mas afora os problemas do poder, alguma saudade de Brasília?
Olha, o nascer e o pôr do sol no Alvorada são para mim inesquecíveis. Todos os
domingos de manhã, eu e Marisa pescávamos. Há um lago no Torto, outro no
Alvorada, e há o Lago Paranoá. Houve um dia em que a Marisa pegou 26 tucunarés,
ali no píer onde fica o barco da Presidência. Disso eu tenho saudade. Não pude
conviver, por precaução minha. Mas o céu de Brasília é muito bonito. O clima é
extraordinário, o padrão de vida do Plano Piloto é invejável. Não é mais aquela
cidade criticada porque não tinha esquinas. O povo soube fazer suas esquinas.
O que considera como mudanças importantes deixadas por seu governo?
As coisas que foram feitas, se em algum momento foram negadas, a verdade foi
mais forte que a versão. A ONU acaba de reconhecer, com dados irrefutáveis, que
o Brasil foi o pais que mais combateu e reduziu a pobreza nos últimos 10 anos.
Eu queria provar que quando o Estado assume a responsabilidade de cuidar dos
pobres, isso tem efeitos. Tenho muito orgulho de ter sido um presidente que,
sem ter diploma universitário, foi o que mais criou universidades no Brasil, o
que mais fez escolas técnicas, o que colocou mais pobres na universidade... Já
houve presidentes da República que tinham diplomas e mais diplomas, fizeram
muito pouco pela educação. Nós provamos que era possível fazer porque decidimos
que educação não era gasto, era investimento. A outra coisa de que muito
orgulho é de ter sido o primeiro presidente que fez com que o povo se sentisse
na Presidência.
E o quê o senhor considera o maior erro de seu governo?
Certamente cometi muitos erros. Os adversários devem se lembrar mais deles do
que eu. Mas fiz as coisas que achava que poderia fazer. Há quem me pergunte se
não me arrependo de ter indicado tais pessoas para a Suprema Corte. Eu não me
arrependo de nada. Se eu tivesse que indicar hoje, com as informações que eu
tinha na época, indicaria novamente.
E com as informações atuais?
Eu teria mais critério. Um presidente recebe listas e mais listas com nomes,
indicados por governadores, deputados, senadores, advogados, ministros de
tribunais. E é preciso ter quem ajude a pesquisar e avaliar as pessoas
indicadas. Eu tinha o Márcio Tomas Bastos no Ministério da Justiça, o (Dias)
Toffoli na Casa Civil... Uma coisa que lamento é não ter aprovado a reforma
tributaria, e tentei duas vezes. Hoje estou convencido de que não poderá ser
feita como pacote, mas fatiada, tema por tema. Eu mandava um projeto com apoio
de todo mundo mas as forças ocultas de que falava o Jânio se apresentavam nas
comissões do Congresso e paravam tudo. Eu receava também que segundo mandato
fosse repetitivo, com ministros não querendo trabalhar. Foi aí que tivemos a
ideia do PAC. Mas acho que poucos conseguirão repetir o que fizemos entre 2007
e 2010. Era o time do Barcelona jogando. Tudo fluiu bem. Posso ter errado mas
não tenho arrependimentos. Tenho frustração de não ter feito mais.
Voltando à indicação dos ministros do STF. Hoje, se o senhor pudesse voltar
no tempo...
Nem podemos pensar nisso. Eu não sou mais presidente, eles já estão indicados e
irão se aposentar lá.
O senhor continua fazendo palestras?
Tenho feito mas vou reduzir. No ano que vem vou me dedicar um pouco à campanha.
Vocês sabem que um ex-presidente da Republica não tem aposentadoria. Não tendo
aposentadoria de outra origem, terá que ser mantido pelo partido dele ou terá
que se virar. Mas você só é convidado para fazer palestras se tiver sido
exitoso no governo. O Fernando Henrique inovou e passou a fazer palestras. O PT
ofereceu-me um salário e eu agradeci. Eu mesmo ia tratar da minha
sobrevivência.
O que acha das criticas de que existiria conflito de interesses quando as
empresas têm contratos com o governo?
Acho uma cretinice. Primeiro porque não faço nada além do que eu fazia como
presidente. Eu tinha orgulho de chegar a qualquer pais e falar da soja, do
etanol, da carne, da fruta, da engenharia, dos aviões da Embraer... Eu vendia
isso com o maior prazer do mundo. Com orgulho. Eu achava que isso era papel do
presidente da Republica. Quando Bush veio aqui, fomos a um posto que vendia
etanol. E havia lá um carro da Ford e outro da GM. Chamei o Bush para tirarmos
uma foto e ele disse que não podia fazer merchandising de carro americano. Só
que ele estava com um capacete da Petrobras na cabeça. Eu falei: "Então
fica você aqui que eu vou lá". Se eu puder vender as empresas brasileiras
na Nigéria, no Catar, na Líbia, no Iraque, na África, eu vou vender. Estas
críticas também refletem o complexo de vira-lata. É não compreender o sentido
disso. Tenho orgulho de saber que quando cheguei à Presidência não havia uma só
fabrica brasileira na Colômbia e hoje existem 44. Havia duas no Peru e hoje são
66. De termos ampliado nossa presença na Argentina ou na África. Se não formos
nós, serão os chineses, os ingleses, os franceses. E não são apenas empresas de
engenharia. Hoje temos fábrica de retro virais em Moçambique, SENAI e
escolinhas de futebol do Corinthians em mais de 13 países africanos. Agora
mesmo me pediram para tentar levar o vôlei para a África, onde o esporte não
existe. E vou ajudar com o maior prazer. Só não vou jogar porque tenho bursite.
Mas veja a malandragem. Todas as empresas, inclusive as de jornais e de
televisão, têm lobistas em Brasília. Mas são chamados de diretor corporativo ou
institucional. Agora, se alguém faz pelo pais, é lobista. Faz parte da pequenez
brasileira. Veja o caso da Copa do Mundo. Todo país quer sediar uma Copa do
Mundo. O Brasil não pode. Ah, porque temos problemas de saúde e moradia! Todos
os países têm problemas, e por não pode ter Copa do Mundo e Olimpíada? E o
quanto uma nação ganha com isso, do ponto de vista cultural, do ponto de vista
do desenvolvimento? Qual é a denúncia contra as obras?
Nos protestos, a crítica era ao custo das obras...
Ora, se em 1960 o Brasil pôde fazer um estádio para a Copa do Mundo, em 2013
não podemos fazer outros? Pergunto qual é a denuncia? Eu deixei dois decretos,
um sobre a Copa outro sobre a Olimpíada, que estão no site da CGU. Perguntem ao
Jorge Hage onde tem corrupção na Copa. O TCU designou um ministro, o Valmir
Campelo, encarregado de fiscalizar especificamente os gastos com a Copa.
Perguntem a ele onde há corrupção. A Copa está marcada e tem que ser feita com
a maior grandeza. Se alguém praticar corrupção, que seja posto na cadeia. Já
conversei com os patrocinadores sobre a necessidade de uma narrativa diferente
para a Copa do Mundo. Vi na TV pessoas chorando no Japão, que vai sediar uma
Olimpíada. E vi um jornalista dizer que tudo bem, o Japão está retomando o
crescimento, diferentemente do Brasil, que ainda é pobre. Então Olimpíada é só
para países doG-8? E ainda que fosse, o Brasil está no G-6. Não me conformo com
o complexo de vira lata e com o denuncismo infundado. Precisamos de uma lei que
puna também o autor de denúncia falsa.
Falando nas manifestações, o que mudou com elas no Brasil?
Eu acho que fizeram muito bem ao Brasil. Com exceção dos mascarados. Todas as
reivindicações que apresentaram, um dia nós também pedimos. Veja o discurso de
(Fernando) Haddad na campanha de São Paulo: "Da porta da casa para dentro
a vida melhorou, mas da porta para fora ainda precisa melhorar." Hoje
muito mais gente anda de carro mas o transporte público não melhorou. Eu andava
de ônibus lotados como latas de sardinha em 1959, e continua a mesma coisa. O
Haddad agora me disse: "Precisando de tanto dinheiro, conseguimos reduzir
em 50 minutos o tempo de viagem só com latas de tinta". As faixas
exclusivas para ô ônibus tiveram uma aprovação de 93% das pessoas. O povo nos
disse o seguinte: "Já conquistamos algumas coisas e queremos mais".
As pessoas querem mais, mais salário, mais transporte, melhorarias na rua, e
isso é extraordinário. Nem dá mais para ficar dividindo tarefa: isso é com o
prefeito, isso com o governador, aquilo com o presidente. Agora é tudo junto.
Haddad não errou, quando demorou a recuar na tarifa?
Houve muita gente ponderando para o Haddad que era preciso recuar. Se ele
tivesse dado o aumento em janeiro, não tinha acontecido o que aconteceu. Ele e
o prefeito do Rio foram convencidos de que, adiando o aumento, ajudariam no
controle da inflação. Eles concordaram e tudo caiu nas costas deles. Meu
primeiro movimento foi mostrar ao Haddad que aquilo não era contra ele, que
ainda estava muito novo no cargo: "Haddad, levante a cabeça, tira proveito
disso, que bom que o povo esta se manifestando". Acho que ele demorou uns
dois ou três dias mas foi correto. E o transporte é caro mesmo... Enfim, as
manifestações nos ensinaram que o desejo do povo de mudar as coisas é infinito.
Nós todos queremos sempre mais. Quem consegue um aumento de 10% nos salários e
logo depois quer outro. Quem consegue comprar carne de segunda passa a querer
carne de primeira. Tínhamos 48 milhões de pessoas que andavam de avião em 2007.
Em 2012, eram 103 milhões. Hoje tem gente que entra no avião e não sabe nem
guardar a mala. Alguns acham isso ruim. Eu acho ótimo. Tem mais gente indo a
restaurantes, a museus, a institutos de beleza, e isso é um bom sinal. A única
coisa que eu critico é a negação da política. Ela sempre resulta em algo pior,
como o fascismo, o nazismo. Tenho dito ao PT para enfrentar o debate. Vamos
perguntar aos tucanos por que eles derrotaram a CPMF, tirando 40 bilhões da
saúde por ano em meu governo, achando que iam me prejudicar. E eu disse: quem
vai pagar é o povo.
E o programa Mais médicos, é uma boa solução?
É uma coisa fantástica mas vai fazer com que o povo fique ainda mais exigente
com a saúde. O sujeito vai subir o primeiro degrau. Vai ter um médico que vai
lhe pedir os primeiros exames, e a saúde vai ser problema outra vez. Discutir
saúde sem discutir dinheiro, não acredito. E não adianta dizer, como fazem os
hipócritas, que o problema é só de gestão. Chamem os 10 melhores gestores do
planeta e perguntem como oferecer tomografia, ressonância, tratamento de
câncer, sem dinheiro. O hipócrita diz: "Eu pago caro por um plano de
saúde, porque o SUS ao me entende". Mas quando ele vai fazer a declaração
de renda, desconta tudo do imposto a pagar. Então quem paga a alta complexidade
para ele é o povo brasileiro. E aí vem a FIESP fazer campanha para acabar com a
CPF. Não foi para reduzir custos mas para tirar do governo o instrumento de
combate à sonegação.
O Mais Médicos é uma marca de governo para Dilma?
Os médicos brasileiros que protestaram sabem que cometeram um erro gravíssimo.
O (Alexandre) Padilha tem dito, corretamente: "Não queremos tirar o
emprego de médico brasileiro. Queremos trazer médicos para atender nos locais
onde faltam médicos brasileiros". Em vez de protestar, eles deveriam ter
feito um comitê de recepção aos colegas estrangeiros. E Deus queira que um dia
o Brasil forme tantos médicos que possa mandar médicos os para um pais
africano. É admirável que um pais pequeno como Cuba, que sofre um embargo
comercial há 60 anos, tenha médicos para nos ceder. Hoje há maquinas que
descobrem o câncer com menos de um milímetro. Mas quantos têm acesso a isso?
Saúde boa e barata e não existe, alguém tem que pagar a conta. Num país em
construção, como o nosso, sempre haverá protestos. Temos de consolidar a
democracia, sabendo que ela não pode ser exercitada fora da política. Tem gente
que diz "eu não sou político" e começa a dar palpite na política.
Esse é o pior político. Como eu fui ignorante, dou meu exemplo. Em 1978, no
auge das greves do ABC, eu achava o máximo dizer: "Não gosto de política
nem de quem gosta de política". A imprensa paulista me tratava como herói.
Eu era "o metalúrgico". Dois meses depois, eu estava fazendo campanha
para Fernando Henrique, que disputava o Senado por uma sublegenda do MDB. Dois
anos depois, eu estava criando um partido político. Ninguém deve ser como o
analfabeto político do Bertolt Brecht. Não se muda o país sem política.
Sua participação na campanha da Dilma agora será diferente da que teve em 2010?
Tem de ser diferente. Em 2010 a Dilma não era conhecida. Fizemos uma campanha
para que ela se tornasse conhecida, e para mostrar ao eleitor o grau de
confiança que eu tinha nela. Obviamente que depois de quatro anos de governo a
Dilma passou a ser muito conhecida e conseguiu construir a sua própria
personalidade. Então já tem muita gente que vai votar na Dilma
independentemente do Lula pedir. Naquilo que eu tiver influência, nas pessoas
que eu tiver influência, eu vou pedir para votar na Dilma. O que eu vou fazer
na campanha depende dela. Eu não quero estar na coordenação, eu quero ser a
metamorfose ambulante da Dilma. Estou disposto. Se ela não puder ir para o
comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu
vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste. Isso quem
vai determinar é ela. Eu tenho vontade de falar, a garganta está boa. Eu estou
com mais disposição, mais jovem. Apesar da idade, eu estou fisicamente mais
preparado. Estou com muita saudade de falar. Faz tempo que eu não pego um
microfone na rua para falar. Conversar um pouco com o povo brasileiro. Vou
ajudar. Se for importante ficar quieto, eu vou ficar quieto. A única que coisa
que eu não vou fazer é cantar, porque eu sou desafinado, mas no resto, ela pode
contar comigo.
Fonte:
Correio Braziliense